quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Fever



Charlotte era quieta e recatada, morava com sua família rica e aparentemente perfeita. A história dela era chata como a de tantos outros perdidos por ai. Sua distração eram as aulas de piano com uma professora gorda, calçada em saltos amedrontadores.

Numa tarde de outono, quando estava a caminho de sua aula musical, recebeu uma ligação com a notícia de que sua querida educadora tinha torcido o pé devido a um desequilíbrio. Ao invés de virar seus passinhos em direção à sua casa, preferiu andar até o shopping mais próximo de onde ela se encontrava. Sozinha e entre lojas... Começou a tocar a música “Fever” na voz de Madonna. Ela já tinha ouvido falar em alguns outros títulos como “Like a Virgin” e “Material Girl”, ou seja, assuntos polêmicos de mais para a sua cabecinha.

A música do shopping dizia algo como: “Você me dá febre quando me beija, febre quando me segura apertado. Febre pela manhã, febre por toda a noite.” Para Charlotte, ao pensar em febre, só lembrava das noites de gripe, com seu nariz vermelho e a mãe trazendo um Vick Pirena para algum alívio. Febre é ruim – pensou a mocinha de forma levemente descompassada.

Perto da praça de alimentação, havia um casal que se beijava animadamente. A garota, loira platinada, mal encostava seus pés no chão, e suas orelhas e maçãs do rosto estavam muito vermelhas. Enquanto isso, passava uma velhinha indignada com a cena e resmungando que a menina tinha a face pegando fogo, que parecia coisa do diabo.

Diabo, fogo, febre, vermelho... Tudo mais parecia pecado mesmo, mas a platinada na ponta de seus belos pés não parecia nem um pouco preocupada. Até por que tudo parecia muito simples e divertido. E lá vem a Madonna de novo afirmando para a jovem Charlotte que não existe escapatória:

“Todo mundo pega a febre
Isso é uma coisa que você deveria saber
Febre não é coisa nova
Febre começou há muito tempo”

Com o rosto ruborizado de vergonha, nossa personagem entende que esse tipo de febre vem de amor e/ou paixão, que não há muito controle, pois se espalha feito vírus. Talvez mais tarde ela entenda que se não se cuidar, e se deixar levar... O corpo pode não agüentar e acabar chamuscado de tanto que pegou fogo.

Se tudo isso é praticamente inevitável, pelo menos uma vez na vida, Charlotte agradece: Que modo amável de se queimar!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Espreitando


Ela é minha inimiga.
Ela é mais do que eu de alguma maneira.
Eu estou invejosa da que chamo de vadia.
Eu desejo vê-la num futuro insatisfeita.

Eu praguejo,
Eu blasfemo,
Eu simples e puramente
do fundo do meu peito a odeio.

E eu mal a conheço...

Ela tem sorriso falso,
lábios finos...
Sempre duvidei dos desbocados
Que parecem mentir desde o início.

Num corpo de belas formas
E roupas bregas a meu ver,
É tanta insinuação que ela transborda
Que eu até finjo ser blasé.

Desculpa o preconceito,
Mas acho horrível aquele cabelo crespo.
Acho que o problema é o mau cuidado
De volumosos cachos tão desbotados.

Sei que pareço uma recalcada...
E talvez seja infelizmente.
Mas não é feliz nem amada
Quem não desabafe ou tente.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Falso preenchimento


Um garoto vazio em emergência brinca e fala besteiras para afirmar como tudo parece bonito.

Quis tirar ele da mente e deixa-lo morrer, mas não é o meu desejo... Por que assim não me sinto sozinha, afinal há alguém em estado mais decadente do que eu.

Eu só sei o que eu não quero, e isso eu aprendi com os erros dele.

Quero mais valor nas poucas coisas que me constroem e poder dizer sentimentalismos sobre amor. Por que ele deve ser bom de alguma forma.

E essa dependência de alguém tão desprezível faz uma ânsia aumentar incrustada nos ossos do peito.

Sou tão fraca que acabo sempre dizendo “venha aqui garoto”, já pensando no meu futuro arrependimento.

Tudo faz parte de uma ilusão de um aconchego momentâneo, onde dois vazios acabam se preenchendo.