sábado, 17 de maio de 2008

letras pautadas


Voltando lá para meados dos anos 80, mal lembro das pirraças de guri moleque. Na rua eu não tinha tempo de ficar pensando por muito tempo o que fazer. Quando a boca tremelicava pra dizer algo, eu já deveria ter ido e voltado com alguma coisa de alguém. Numa ignorância profunda, nem tinha inveja dos guris mais arrumados do que eu, era como se fosse assim, fosse pra ser assim. Ponto.

A única coisa que tinha vontade é de passar as mãos nas canelas de algumas tias que passavam pontualmente no meu ponto de coleta. Não fazia nada, só olhava; ou perderia o ponto de certo com algum 'policia' me expulsando. Eu também tinha outras sensações, talvez mais, talvez menos importantes... Como a raiva por uma mulher velha e gorda que me olhava com um ar de caridade mas nunca me dava uma moedinha sequer.

Morador de rua sem conhecer quase nenhuma bosta desse mundo escroto. Eu só via os mesmos muros cinzas de sempre com pichações diferentes a cada dia. Um dia quis pichar, mas os guris mais velhos riram da minha cara por que eu não sabia escrever nenhuma letra. Não lia também, e não entendia o que eles escreviam. Desenhei uma faca bem pontuda apontando pro barraco de um dos muleques que tavam rindo.

Ele não gostou e me expulsou do ponto. Depois disso eu passei a frequentar ruas mais distantes e os bairros próximos... Não que fossem coisa melhor do que antes, mas a pivetada não me olhava de cara torta e nem ria de mim. Como não sabiam onde eu morava, assaltei pela primeira vez a mão armada (faca) numa ruela do bairro vizinho. Não deu muito certo por que a 'dona' fez O escândalo e começou a me bater com o guarda-chuva que carregava.

Seria triste pensar numa vida tão medíocre. Não tinha bem 15 anos e fiz a única coisa que prestou até hoje.. conhecer Suzaninha. Tá, teve mais uma coisa que eu fiz de bom, mas a Suzaninha era boa demais pra eu tentar acreditar. Ela era filha do dono de um boteco meia boca da zona oeste, onde eu gastava algum trocado que eu ganhava guardando carro. Acho que consegui pensar em palavras bonitas que hoje seriam ridículas. Mas aquela guria branquela, magrinha, cheia de sardas e sempre gentil conseguiu tirar palavras timidamente educadas de mim. Ela não era do tipo que deveria estar ali, tanto que não ficou, ela acabou viajando pro sudeste morar com uma tia pra estudar. De despedida me deu um beijo, meu primeiro.

Sozinho e pensando nela, eu vadiei e virei bandidinho de quinta categoria e toda hora acabava parando numa delegacia... O problema foi uma bomba que estourou na minha mão, me confundiram com um cara que tinha estuprado e matado um guria que eu mesmo conhecia.

A Suzaninha voltou e me procurou. E eu burro, preso.

Ela me deu um chingão mas depois que eu expliquei o ocorrido ela acreditou em mim, as mulheres sempre acabam acreditando. E então eu fiz a segunda coisa certa na minha vida. Ela resolveu me ajudar a estudar, alguns anos antes da cadeis eu tinha aprendido mal mal a escrever e ler, então não foi tão dificil.
Hoje é o meu último dia de pena, depois de 6 anos e alguns meses, a Suzaninha deixou de me ver faz uns 3 anos, mas eu continuei lendo e depois escrevendo também. Não segurei a mulher, não escrevo tão bem quanto gostaria, mas pelo menos não vão mais rir por eu não saber escrever letras.